A ampliação da fiscalização das movimentações via Pix e cartões de crédito pela Receita Federal pode ser contestada judicialmente caso os contribuintes sintam que suas garantias estão sendo desconsideradas. A medida, adotada em janeiro, visa combater crimes fiscais.
A nova regra permite que operadoras e instituições de
pagamento repassem dados ao Fisco, algo que antes era restrito aos bancos
tradicionais. Agora, todas as transferências acima de R$ 5 mil para pessoas
físicas e de R$ 15 mil para pessoas jurídicas estão sob monitoramento, com o
objetivo de inibir a sonegação fiscal.
O tributarista Gabriel Santana Vieira, do grupo GSV, afirma
que embora a Receita alegue que a medida combate a lavagem de dinheiro, ela
pode ser questionada com base nos princípios da privacidade e da
proporcionalidade. "A Constituição Brasileira garante a privacidade e o
sigilo das transações financeiras", afirma.
Segundo ele, a medida precisa ser proporcional e não deve
gerar burocracia excessiva ou monitoramento indevido. "Se alguém achar que
a medida está desconsiderando essas garantias, pode buscar a
judicialização."
Por outro lado, Gabriel Quintanilha, professor de Direito da
Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio), diz que qualquer pessoa que movimente
valores acima do limite estabelecido e não os reporte corretamente ao Imposto
de Renda é, de fato, sonegadora.
"O Pix, nessa história, é apenas uma movimentação
financeira como outra qualquer, como um débito automático ou um pagamento no
cartão de crédito", diz. "É importante lembrar que até 2007 tínhamos
no Brasil a CPMF, uma contribuição provisória sobre movimentação financeira.
Naquela época, a Receita já tinha noção de tudo o que o contribuinte
movimentava."
Governo diz que não vai taxar o Pix
A repercussão em torno do tema tem movimentado o governo de
Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Órgãos oficiais se apressaram em desmentir a
cobrança de impostos sobre as transações, classificando-a como "fake
news". O próprio presidente Lula, instruído pelo novo ministro da
Secretaria de Comunicação, Sidônio Palmeira, postou um vídeo nas redes sociais
no sábado (11), efetuando um Pix de R$ 10 mil para comprovar a afirmação.
"Tem uma quantidade enorme de mentiras, desde ontem, em
todas as redes sociais, dizendo que o governo vai taxar o Pix. Eu quero provar
que é mentira. O governo não vai taxar o Pix. O que podemos fazer é fiscalizar
para evitar lavagem de dinheiro. Vou doar R$ 10 mil para resolver o problema da
dívida do Corinthians. Estou junto com a torcida do Corinthians. Eu acredito no
Pix, acredito no governo e nós não vamos taxar", disse Lula na gravação.
Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que não há
imposto sobre a operação. O que existe é um monitoramento da Receita sobre os
valores movimentados e o Imposto de Renda pago pelo contribuinte. Caso a pessoa
ou empresa não declare corretamente e seja flagrada em alguma inconsistência, a
penalização pode chegar a multas de 150% sobre o valor sonegado.
"A medida de fiscalização da Receita Federal não cria
novos tributos nem altera a carga tributária, mas exige maior transparência e
controle sobre as movimentações financeiras", afirma Vieira.
Nesse sentido, a medida afeta todos os trabalhadores,
especialmente autônomos e informais. "A medida pode impactar especialmente
pessoas físicas que não possuem rendimentos elevados e podem ser afetadas por
movimentações financeiras rotineiras."
Nesta segunda-feira (13), o secretário da Receita Federal,
Robinson Barreirinhas, esclareceu que os dados de transações do Pix acima dos
novos limites não vão gerar uma notificação imediata aos contribuintes.
Segundo ele, haverá um cruzamento de informações para
verificar se há alguma inconsistência que indique evasão fiscal. "Vai
pegar, por exemplo, uma pessoa que tem um salário de R$ 10 mil e gasta R$ 20
mil todo mês no cartão de crédito durante dois, três anos seguidos. Isso pode
chamar alguma atenção. Vai chamar a pessoa para se explicar? Ainda não, você
vai cruzar outras informações", disse em entrevista ao G1.
De acordo com Barreirinhas, o objetivo das novas regras não
é atingir os pequenos contribuintes, mas sim os grandes que não prestam as
informações necessárias à Receita. Na mesma linha, Quintanilha lembra que a
própria OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) sugere
esse tipo de fiscalização. "O principal foco desse tipo de operação é
evitar sonegação fiscal e lavagem de dinheiro", reforça.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também declarou na
segunda-feira (13) que a medida não terá impacto relevante para pequenos
negócios e a classe média. Segundo ele, não é algo inédito e já era aplicada a
outras transações desde 2015. A novidade está no aumento dos limites das
movimentações obrigatoriamente reportadas: de R$ 2 mil para R$ 5 mil mensais
para pessoas físicas e de R$ 6 mil para R$ 15 mil no caso de empresas, o que,
segundo Haddad, resultará em uma redução do volume de dados enviados ao Fisco.
Contribuinte terá de se adaptar à fiscalização do Pix
Quintanilha, da FGV-Rio, afirma que o contribuinte vai
precisar se adaptar. "O que o cidadão precisa começar a fazer agora é se
organizar, pois muitas pessoas centralizam no cartão de crédito as despesas de
toda a família. Isso vai precisar ser mais organizado, sob pena de fiscalização
da Receita e multa."
Além disso, els destaca que a medida pode ter um efeito
educativo. "Não existe consciência da importância do tributo no Brasil e
não há fiscalização social sobre a aplicação do tributo", afirma.
"O dia que o cidadão brasileiro entender que paga uma
alta carga tributária e os serviços oferecidos à população são insatisfatórios,
a fiscalização aumentará. O povo brasileiro realmente não vê a contrapartida, a
prestação do serviço. Por isso se revolta, e é legítimo. Essa nova cobrança
pode ajudar a despertar a consciência; precisamos de cidadania fiscal."
Orientações de Tributaristas para Evitar Cobranças:
Declarar Renda Corretamente: As movimentações
financeiras devem ser compatíveis com os valores declarados no Imposto de
Renda.
Guardar Comprovantes: Mantenha registros de
transferências, pagamentos e receitas para justificar a origem dos valores.
Separar Contas: Use contas específicas para
movimentações pessoais e profissionais, evitando confusões.
Acompanhar os Limites: Certifique-se de que
movimentações acima de R$ 5.000 (pessoas físicas) e R$ 15.000 (empresas) sejam
devidamente declaradas.
Responder à Receita: Em caso de notificação, forneça
documentação e esclarecimentos dentro do prazo.
Consultar um Contador: Profissionais podem ajudar a
organizar finanças e cumprir as exigências legais.
Riscos de Declarações Incorretas ou Inconsistências:
Autuações e Multas: Se a pessoa ou empresa não
declarar corretamente ou for pega em inconsistências, pode ser penalizada com
multas pesadas, que podem chegar a 150% do valor sonegado.
Perda de Credibilidade: Empresas ou indivíduos que
não se ajustarem podem ser vistos como sonegadores, o que afeta sua reputação.
Processos Judiciais: Em casos mais graves, como
fraude ou lavagem de dinheiro, pode haver responsabilização criminal.
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