O pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) ao ministro Alexandre de Moraes para obter dados de identificação de todos os usuários de redes sociais que seguem o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se afasta de um entendimento recente do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre como órgãos públicos devem tratar dados pessoais.
Em setembro do ano passado, a Corte decidiu que o acesso a dados do tipo deve ter “propósitos legítimos, específicos e explícitos” e ser limitada a informações “indispensáveis ao atendimento do interesse público”.
No julgamento, os ministros ainda afirmaram que a obtenção dos dados deve ter compatibilidade com as finalidades buscadas, limitação ao “mínimo necessário para o atendimento da finalidade informada”, além de cumprimento integral dos requisitos, garantias e procedimentos estabelecidos na Lei Geral de Proteção de Dados, a LGPD, aprovada em 2018 para resguardar a privacidade no ambiente digital.
Essa decisão ajustava decretos do governo sobre o compartilhamento de dados pessoais entre diferentes órgãos, mas acabou servindo como baliza para tratamento dessas informações pelo setor público, especialmente porque até hoje não foi aprovada uma lei para disciplinar a coleta para investigações criminais. Em 2020, uma comissão de juristas apresentou ao Congresso um anteprojeto de lei sobre a questão, mas até hoje nada foi aprovado pelos parlamentares.
As ações julgadas pelo STF, apresentadas pela OAB e pelo PSB, apontavam risco de vigilância massiva por parte do Estado sobre cidadãos, que poderiam ficar vulneráveis a ações abusivas.
O problema do pedido da PGR, segundo analistas consultados pela reportagem, é o fato de ser genérico, não ter uma motivação clara e ainda ser desnecessário para o objetivo informado pelo órgão. São requisitos não só inscritos na LGPD, mas também exigidos pelo STF e que ainda fazem parte da proposta elaborada por juristas no Congresso em 2020.
O pedido da PGR foi feito no âmbito da investigação, conduzida por Moraes, sobre os supostos incitadores da manifestação que invadiu e depredou as sedes dos três Poderes, em 8 de janeiro. Bolsonaro passou a ser investigado porque compartilhou, dias depois do fato, e depois apagou, um vídeo que dizia que Lula não teria sido eleito pelo povo brasileiro, mas “escolhido pelo serviço eleitoral, pelos ministros do STF e pelos ministros do Tribunal Superior Eleitoral”.
Em depoimento, Bolsonaro disse que a postagem foi “acidental” e negou que o objetivo fosse estimular novas manifestações contra a eleição de Lula.