Por influência do ministro Alexandre de Moraes e a partir de
um pedido do líder do PT na Câmara dos Deputados, Lindbergh Farias (RJ), o
Supremo Tribunal Federal (STF) adotou uma posição mais restritiva em relação à
possibilidade de a Câmara suspender a ação penal aberta contra o deputado
Alexandre Ramagem (PL-RJ) e os outros sete réus denunciados com ele, incluindo
o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O debate está ocorrendo na Comissão de Constituição e Justiça
da Câmara. Os parlamentares podem decidir suspender a ação alegando perseguição
política contra Ramagem, o que pode beneficiar também outros acusados, como o
ex-presidente Jair Bolsonaro. O assunto deve voltar a ser discutido nesta
semana.
A mudança de entendimento do STF sequer foi fundamentada
juridicamente e envolveu até uma manobra para mudar a ata de julgamento que
aceitou a denúncia contra o parlamentar.
Em 24 de abril, após um despacho de Moraes esclarecendo uma
dúvida de Lindbergh, o presidente da Primeira Turma do STF, Cristiano Zanin,
enviou ofício ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB),
comunicando que a Casa poderia sustar a ação penal “tão somente em relação” a
Ramagem e apenas sobre parte dos crimes de que foi acusado (dano e deterioração
do patrimônio), mas não por organização criminosa e crimes contra a democracia
(golpe e abolição do Estado).
Essas limitações não estavam previstas, nesses termos, no
acórdão e na ata do julgamento sobre o recebimento da denúncia – documentos
oficiais que formalizam a decisão – nem foi expressa dessa maneira no voto de
Moraes e dos outros ministros da Primeira Turma. Trata-se de uma inovação,
nunca antes determinada pelo STF e que, num caso bastante recente, não foi
aplicada pelos mesmos ministros da Primeira Turma.
Em junho do ano passado, o colegiado aceitou a denúncia
contra o então deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) como suposto
mandante da morte da vereadora Marielle Franco, em 2018. Mas, na decisão e na
comunicação à Câmara, não impôs limites como no caso de Ramagem: informou que a
Casa poderia suspender a ação penal como um todo, sem limites, o que
beneficiaria também outros corréus, e por todos os crimes de que foram
acusados: homicídio e organização criminosa.
O acórdão desse julgamento deixou claro que o crime de
organização criminosa “tem natureza permanente e perpetuou-se mesmo após a
diplomação do acusado”. Com isso, a Câmara poderia suspender a ação penal
contra Chiquinho Brazão, sem limite em relação a ele nem aos crimes de que se
tornou réu, como ocorreu com Ramagem.
A possibilidade de a Câmara suspender uma ação penal aberta
contra um deputado federal está prevista na Constituição, no artigo 53,
parágrafo 3º. O dispositivo permite ao Legislativo sustar o andamento de uma
ação penal até o julgamento final. No caso de um deputado federal, como
Ramagem, é preciso que a maioria de seus colegas na Câmara – ao menos 257 –
aprovem a medida.
A finalidade dessa regra é barrar eventuais tentativas de
perseguição política por parte do Judiciário por meio de processos criminais –
exatamente a hipótese apontada por Ramagem, Bolsonaro e outros denunciados no
caso da suposta tentativa de golpe. O grupo alega que a ação visa retirar o
ex-presidente e seus aliados da vida política.
A regra da Constituição diz que a suspensão de uma ação
penal aberta só pode ocorrer para “crime ocorrido após a diplomação” – no caso
de Ramagem, portanto, para os delitos que teriam ocorrido após 16 de dezembro
de 2022, dia que recebeu do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro o
diploma formalizando o direito de tomar posse.
Ramagem, Bolsonaro e os demais réus no caso do golpe foram
denunciados por cinco crimes: tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolir
o Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano e
deterioração do patrimônio da União.