Depois de os ministros Alexandre
de Moraes e Flávio Dino votarem pela condenação de 14 anos de prisão à
cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, que pichou a frase “Perdeu, Mané” na
estátua da justiça, o ministro Luiz Fux pediu “vista” e suspendeu o julgamento.
A solicitação de Fux foi lançada no plenário virtual do Supremo Tribunal
Federal (STF) na manhã desta segunda-feira (24).
No STF, um pedido de vista pode
ser feito por qualquer ministro que precise de mais tempo para analisar o caso
antes de dar seu voto. Com isso, o julgamento, que deveria ser encerrado na
próxima sexta-feira (28), pode ser adiado em até 90 dias, segundo o regimento
interno da Corte.
Para a defesa, embora o pedido
seja direito regimental do ministro, a decisão "agrava ainda mais as
tensões do caso e adia indefinidamente um desfecho para Débora, que permanece
privada de sua liberdade há mais de dois anos", afirmam os advogados Hélio
Junior e Taniéli Telles, ressaltando que a cabeleireira está presa preventivamente
desde 17 de março de 2023.
"O prolongamento desse
quadro é inaceitável. Afinal, será que em mais de dois anos de tramitação
processual não houve tempo suficiente para que os autos fossem
analisados?", questiona a defesa, que ingressará imediatamente com pedido
de liberdade para que Débora seja solta com a máxima urgência, enquanto o
processo segue seu curso regular.
"Será que em mais de dois
anos de tramitação processual não houve tempo suficiente para que os autos
fossem analisados?"
Hélio Junior e Taniéli Telles,
advogados de defesa de Débora Rodrigues dos Santos
"Manter Débora presa sem uma
decisão definitiva, quando não há sequer previsão de retomada do julgamento,
afronta os princípios constitucionais da razoável duração do processo e da
presunção de inocência", apontam os advogados.
Quais são as acusações contra Débora?
As únicas provas existentes
contra Débora são imagens dela escrevendo, com batom, a frase dita pelo
ministro Luís Roberto Barroso — "Perdeu, mané" — na estátua "A
Justiça”. No entanto, Débora é acusada pelos crimes de associação criminosa
armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe
de Estado, deterioração de patrimônio tombado, e dano qualificado pela
violência e grave ameaça contra o patrimônio da União.
De acordo com o voto de Moraes,
no dia 8 de janeiro ocorreu crime de multidão, em que todas as pessoas
presentes durante os atos seriam consideradas culpadas pelas ações registradas.
“A invasão aos prédios públicos
se deu em contexto de crime multitudinário, ou de multidão delinquente, sendo
dispensável, portanto, a identificação de quem tenha efetivamente causado os
inúmeros danos acima exemplificados e descritos nos relatórios constantes dos
autos, e evidenciando-se que os líderes e responsáveis efetivos deverão
responder de forma mais gravosa, nos termos da legislação penal”, escreveu no
voto.
Além disso, Moraes estabeleceu o
pagamento de multa de R$ 30 milhões pelos estragos causados aos prédios
públicos. O valor deve ser dividido entre os demais envolvidos nos atos do 8 de
janeiro que forem condenados.
Débora passou mais de um ano sem denúncia e defesa aponta “acusações
genéricas”
Moradora de Paulínia, em São
Paulo, Débora tem 38 anos, e foi presa em 17 de março de 2023, alvo da oitava
fase da Operação Lesa Pátria, deflagrada pela Polícia Federal (PF). Ela passou
mais de 400 dias na prisão sem denúncia — quase 12 vezes mais que o prazo
estabelecido em lei —, e seus advogados garantem que as acusações contra ela
são “genéricas”.
Em junho de 2024, o jurista
Rodrigo Chemim, doutor em Direito de Estado, afirmou à Gazeta do Povo que
indivíduos que picham, grafitam ou sujam algum monumento costumam ser punidos
com pagamento de cestas básicas, pois se trata de “crime de menor potencial
ofensivo”.
No entanto, reportagem publicada
em janeiro deste ano mostrou que, entre a elite do poder estatal, há a tese de
que os participantes das manifestações do 8/1 merecem tratamento análogo ao de
criminosos hediondos e, em alguns casos, pior que o dispensado a
narcotraficantes.
Além disso, Chemim informou em
2024 que Débora poderia aguardar sentença em casa, com seus filhos, pois o
artigo 318 do Código de Processo Penal estabelece que o juiz pode substituir a
prisão preventiva por domiciliar para mulheres com filho de até 12 anos de
idade. “Inclusive, em 2018, o STF concedeu Habeas Corpus coletivo [143641/SP]
para favorecer todas as mulheres presas que se encontravam nessa situação”,
recordou o jurista. A jurisprudência também não foi aceita no caso de Débora.