A suspeita de armação contra Filipe Martins, ex-assessor
para Assuntos Internacionais no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL),
tem chamado a atenção nos Estados Unidos de políticos do Partido Republicano,
que desconfiam de conluio entre autoridades brasileiras e americanas para
forjar provas e manter Martins preso.
Há indícios fortes de que dados de entrada de Martins nos
EUA foram manipulados por autoridades com objetivos escusos. As informações
incorretas, corrigidas somente em junho de 2024, foram a base para justificar a
sua prisão cautelar no Brasil. Martins ficou preso preventivamente por seis
meses em Curitiba, entre fevereiro e agosto de 2024, em um processo repleto de
ilegalidades que, para juristas consultados pela Gazeta do Povo, tem características
de jogo psicológico com o objetivo de arrancar uma delação.
A investigação sobre o caso, que já tem uma denúncia
apresentada nos EUA, poderia implicar membros da Polícia Federal (PF)
brasileira envolvidos na coleta de provas que justificou a prisão de Martins.
Por tabela, poderia impactar também o ministro do STF Alexandre de Moraes,
relator do caso. O juiz brasileiro já é alvo de um processo por tentativa de
censurar cidadãos americanos e é personagem central de um projeto de lei no
Congresso dos EUA contra autoridades estrangeiras que praticam censura.
Moraes foi quem autorizou a prisão preventiva com base em
dados fornecidos pela equipe da PF coordenada pelo delegado Fabio Shor. A
confirmação de manipulação de dados geraria questionamentos graves sobre a
integridade das investigações comandadas pela PF. Nos EUA, há a suspeita de
conluio de autoridades brasileiras com burocratas do governo democrata de Joe
Biden, o que tende a aumentar a repercussão internacional do caso.
O problema central está em um documento chamado I-94, com o
qual o Customs and Border Protection (CBP) – órgão de proteção de fronteiras
dos Estados Unidos – registra a entrada de estrangeiros. O I-94 só pode ser
gerado se a pessoa realmente passou pela fronteira americana e foi aprovada por
um oficial de imigração.
No ano passado, as autoridades americanas inicialmente
confirmaram que não havia nenhuma entrada de Filipe Martins nos EUA em dezembro
de 2022; pouco tempo depois, surgiu no sistema do I-94 um registro de entrada
com erros, incluindo nome incorreto – "Felipe" em vez de
"Filipe" –, passaporte cancelado e visto errado. O registro foi
removido no começo de junho de 2024 após ser reconhecido como equivocado, mas o
caso foi reaberto sem explicação antes de ser encerrado novamente em 31 de
julho de 2024, também sem motivação clara, poucos dias antes da liberação de
Martins no Brasil.
Atualmente, já não há mais nenhum registro de entrada de
Filipe Martins em dezembro de 2022 no sistema de imigração nos EUA. Continua em
aberto, contudo, a dúvida sobre por que esse registro chegou a existir.
"Não tem como uma pessoa ter um I-94 sem ter entrado
formalmente nos EUA", afirma o advogado de imigração Mark Morais,
brasileiro que já foi policial federal de imigração e alfândega junto ao CBP.
Ele falou com a Gazeta do Povo sob a condição de comentar os aspectos técnicos
gerais, sem entrar nos fatos específicos do caso, que ele conhece pouco.
Sobre o uso de um passaporte cancelado, Morais afirma que
isso só seria possível no caso de a pessoa ter viajado com dois passaportes –
um vencido, mas com visto válido, e outro válido, mas sem visto. Mas, mesmo
nessas circunstâncias, o uso de um passaporte cancelado pelas autoridades da
fronteira no I-94 "seria um erro importante", diz ele.
Martins cancelou em 2021 o passaporte mencionado, após
perdê-lo em Brasília. O registro de entrada nos EUA com o passaporte cancelado
é de dezembro de 2022. Isso reforça a suspeita de manipulação indevida dos
dados. A grafia errada do nome – embora não seja impossível de ocorrer no CBP,
segundo Morais – é mais um elemento que sugere interferência não convencional
nos registros.
Mais do que isso, Filipe Martins nunca entrou nos EUA na
data mencionada, algo que autoridades americanas e brasileiras já reconheceram
oficialmente. Se um registro oficial I-94 foi gerado em seu nome para essa
data, isso só permite duas hipóteses: um erro bastante fora do padrão para o
sistema de imigração norte-americano, que significaria a existência de uma
brecha perigosa para a segurança dos EUA, ou – o mais provável – uma
manipulação deliberada dos dados.
Passaporte cancelado de Filipe Martins, misteriosamente empregado em um registro falso de sua entrada nos EUA, com erro de grafia no nome.
A inserção misteriosa de um registro de entrada falso é só
um dos aspectos de roteiro policialesco da prisão de Filipe Martins. A história
tem uma sucessão de elementos atípicos