Parceira do Corinthians tem "rastro" de dívidas e negócios suspeitos em MT

 



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Parceira do Corinthians tem "rastro" de dívidas e negócios suspeitos em MT

ESPN

13 de Abril de 2022 as 20:13

 

Foi em Mato Grosso que o Grupo Taunsa diz ter começado suas atividades na agricultura, adquirindo ali a "expertise" para o modelo de negócio que a impulsionou para se tornar parceira do Corinthians anos mais tarde. O que não está na apresentação da empresa, em dívida com o clube paulista, porém, é que o início de sua história no estado que é o maior produtor de soja do Brasil não inclui produção alguma.

Paulinho, o reforço que foi viabilizado graças ao dinheiro prometido pela Taunsa ao Corinthians, ainda estava no Barcelona em 2018, quando Cleidson Augusto Cruz, CEO da companhia, avançava na tentativa de adquirir terras em Mato Grosso. Entre maio e novembro daquele ano, quatro fazendas chegaram a ter ligação com sua empresa; hoje, todas têm situação cadastral suspensa com o governo local.

O grupo esteve presente em três cidades: São José do Xingu, Brasnorte e Paranatinga. Nessa última, as dívidas deixadas por Cleidson, somadas, representam hoje, ao menos, R$ 340 mil.

Paranatinga está localizada no centro do estado e, com pouco mais 20 mil habitantes, vive há uma década uma transformação graças ao boom da soja na região. Foi lá que Cleidson primeiro arrendou parte da Fazenda Carajás, que tem pouco mais de 10 mil hectares, em maio de 2018.

Uma foto do local, inclusive, integra o material que a ARJ Holding, empresa dos Emirados Árabes Unidos, utiliza até hoje para apresentar a Taunsa como uma de suas subsidiárias. Cleidson chegou aos proprietários do local por meio de um corretor da cidade.

Se apresentou como dono da Taunsa, empresa que estava iniciando no mercado da soja, e fez o negócio. Arrendou a propriedade por 12 anos, com o pagamento previsto em sacas de soja de 60 kg, unidade comum em transações na agricultura.

O valor iria aumentando progressivamente conforme o plantio avançasse ano a ano. Apenas para referência, o preço hoje da saca de soja de 60 kg no Mato Grosso tem média aproximada de R$ 160.

A Taunsa pagaria na safra 2018/19 duas sacas de soja por hectare arrendado. Considerando, por exemplo, o tamanho total da fazenda, esse valor seria de mais de R$ 3 milhões. Lembrando: isso é apenas uma simulação.

 

PEDREIRO E LOJA

Logo no início, o CEO da hoje parceira do Corinthians contratou pessoas da cidade para serviços diversos, como aquisição de material de construção, limpeza do terreno, retirada de 19 km de cerca da propriedade e reforma de duas casas dentro da fazenda, uma para o gerente e outra para servir de alojamento. O ESPN.com.br teve acesso a um documento no qual está registrado cada um dos gastos na contratação desses serviços, cuja soma em 2018 correspondia a R$ 189.320,66.

 

Individualmente, o valor mais baixo era de R$ 4.480 por um serviço de alvenaria na reforma de uma casa (56 metros quadrados) pelo pedreiro José Nilto de Almeida, o Alemão. Ele também fez a reforma da área de alojamentos (96 metros quadrados) por um valor final de R$ 11.520.

"Eu reformei duas casas lá na fazenda. Tenho comprovação, mas meu erro foi não ter assinado um contrato com ele. E estou contando só o que foi dinheiro vivo que saiu do meu bolso porque não recebi. Teve ainda despesa com caminhonete e outras coisas", disse Almeida à ESPN.

Ele e mais outras cinco pessoas que não receberam os valores dos serviços contratados por Cleidson em 2018 decidiram procurar um escritório de advocacia na cidade e cobrar na Justiça a dívida após a notícia de que a Taunsa era a nova parceira do Corinthians se tornar pública em dezembro. "Nosso escritório foi procurado por seis pessoas, todas alegando suposto descumprimento contratual por parte do senhor Cleidson", disse o advogado João Bosco do Santos à reportagem.

"Ele ficou durante um tempo falando 'vou pagar, vou pagar', e o pessoal acabou arcando com o próprio bolso tocando o serviço contratado. Aí, sem mais nem menos, ele desapareceu sem dar satisfação e deixou todo mundo no prejuízo. Depois da notícia do contrato deles com o Corinthians, entramos em contato com eles, não na pessoa do Cleidson, mas com a secretária dele. E ela sempre passando a posição de que faria um acordo com o pessoal. Mas já faz 60 dias que estão alegando que o dinheiro não entrou, que vai entrar, e até o momento, nada”, acrescentou.

O valor atualizado com juros e correção monetária está em R$ 340 mil, segundo cálculos do escritório que representa os seis profissionais de Parantinga. Esperando um acordo, o advogado ainda não ingressou na Justiça para cobrar Cleidson e Taunsa.

"A última mensagem que mandei foi no dia 30 de março, e a secretária me respondeu no dia 31 dizendo que estavam entrando recursos, e eles iriam acertar com todo mundo. No dia 1º de abril, recebi a mensagem: 'Devemos ter solução do nosso câmbio nos próximos dias. Assim que recebermos entro em contato para combinarmos os pagamentos do pessoal'".

Em entrevista exclusiva à ESPN no dia 7 de abril, Cleidson Augusto Cruz deu um posicionamento sobre a dívida, primeiro reconhecendo que os pagamentos não foram feitos. Depois explicando que caminhava algumas soluções para um possível acerto nesta semana, o que não aconteceu.

"Há uma falha da nossa diretoria financeira. Era para ter sido equacionado lá atrás. Vamos dizer que passou despercebido, e eu, nas minhas correrias, não me atentei a isso, de perguntar se estava resolvido. E só agora me veio ao conhecimento que essa situação da fazenda não estava equacionada", disse Cleidson, CEO da empresa que apontou em nota oficial ter tido em 2021 faturamento de R$ 250 milhões em exportações. "Esse lapso (dívida com os trabalhadores de Parantinga), vamos chamar assim, não faz sentido. Foi tema de discussão no meu escritório. Se tivemos o caixa que tivemos ano passado (R$ 250 milhões), como isso passou? É inadmissível. Prefiro dever R$ 10 milhões para um banco, mas não admito dever, tendo dinheiro para pagar, R$ 10 mil", disse.

Só que o arrendamento da Fazenda Carajás também não prosperou. Apesar de ter iniciado os serviços no terreno, nada foi plantando.

Em novembro de 2019, com os donos incomodados com o atraso e sem nenhuma perspectiva de ver alguma plantação de soja, foi feito o distrato do negócio. "Na Fazenda Carajás, reformei o que tinha para reformar, e aí é uma falha interna nossa. Era para ter sido quitado, não foi. Ficaram pendente algumas contas. É o que digo, prefiro dever R$ 10 milhões para banco do que dever R$ 10 mil para você. Estou cobrando as pessoas por isso. Arrendei as propriedades, desfiz, porque o projeto de financiamento era golpe. Tive que dar um passo atrás, me reestruturar (...) e só agora em 2020 é que as coisas voltaram a ficar melhores para o meu lado para poder operar pela minha empresa.”

 

FAZENDAS

Além da Carajás, em Paranatinga, a Taunsa também teve ligação com a Fazenda Vista Alegre. O local foi registrado no nome de Rafael Anderson Cruz, irmão de Cleidson e sócio da "Taunsa Log", empresa de logística do grupo com sede em Campinas, em novembro de 2018. O arrendamento foi feito por 12 anos, segundo apurou a reportagem, mas também nada foi plantado.

O proprietário da época, um promotor que hoje reside em Maringá, fez o distrato em agosto de 2019 e ingressou na Justiça contra Cleidson com um pedido de indenização. O registro em nome de Rafael está suspenso desde então.

Ainda no Mato Grosso duas outras fazendas foram alvo do interesse de Cleidson. Uma delas chamada Lucelia, na cidade de Brasnorte, região noroeste do Estado, e outra chamada Arauna, em São José do Xingu, quase perto do Pará.

Essa segunda também aparece nos registros da ARJ Holding até hoje. A reportagem apurou que ambas foram arrendadas em 2018.

A primeira foi registrada no nome de Cleidson em maio; e a segunda, em junho. Em ambas, os negócios também duraram pouco. As situações cadastrais foram suspensas, respectivamente, em novembro e dezembro de 2019.

Não foram encontrados os donos da fazenda Lucelia nem mesmo a prefeitura da cidade soube informar sobre a passagem de Cleidson Augusto Cruz pela cidade. Já o dono da fazenda Araruna, na qual o contrato de arrendamento foi por 4.000 hectares, disse a reportagem que realmente conheceu o dono da Taunsa, mas afirmou não ter nenhuma queixa, apesar do fracasso da empresa no plantio.

"Comigo, ele não foi desonesto. O que aconteceu foi que ele apareceu com a intenção de arrendar a propriedade para plantar soja. Na época, eu estava interessado nessa parceria. E, na realidade, ele até fez por mim mais do que nós tínhamos combinado. O problema é que ele não conseguiu tocar o projeto. Eu forneci a terra, e ele teria de pagar isso quando ele tivesse produção, depois de dois anos”, disse José Aguiar, o Zezinho, à reportagem.

"Ele fez um trabalho de limpeza na fazenda, contratou pessoal na região, pessoal prestou serviço para ele. Ele atrasou o pagamento de alguns, porém, a informação que eu tenho é que ele quitou essa dívida. No meu caso, eu até paguei para ele, porque ele limpou uma área minha da fazenda. Mas não conseguiu dar sequência no trabalho dele (plantio). Eu indenizei ele de algumas coisas porque, querendo ou não, ele limpou quase 1.000 hectares. Ficou algo em torno de R$ 22 mil, algo irrisório. Eu chamei ele para fazer o distrato, e ele falou para acertar algo com ele, e estava tudo certo. Não posso falar que ele me deu prejuízo porque eu não me senti lesado. Para mim, ele foi correto."

"Ele disse que tinha um projeto, não conseguiu captar o que ele estava tocando e que não iria tocar adiante. Fizemos um distrato, arquei com uma parte do custo, que foi algo em torno de R$ 60 mil. E ele falou que nem iria cobrar nada, que esse valor estava bom. Ele foi correto comigo. Ele me disse que o primeiro passo dele seria a produção. Por isso eu gostei da conversa. Ele disse 'amanhã quero ter outros negócios'. Nunca falou em exportação. Sempre foi um cara muito pé no chão, sabe?”, acrescentou.

O "projeto de captação" que Cleidson usou para justificar o insucesso de sua empreitada para Zezinho, segundo ele, teve ligação com golpes descobertos em 2016 pela "Operação Castelo de Areia", que desmontou uma quadrilha que usava uma empresa de fachada, chamada "Soy Group", para enganar empresários, principalmente do agronegócio, com uma promessa de financiamento facilitado. "É um problema que nós tivemos. Fui vítima de um golpe no Mato Grosso. Se puder pesquisar, chama 'Operação Castelo de Areia'. Estelionatários deram golpe não só em mim, mas em vários empresários no Brasil. Vamos entrar com um processo para receber. Fomos vítimas desse pessoal, que iam financiar um projeto de produção da Taunsa. Acreditei nesse financiamento, perdi R$ 5 milhões, acreditando neles... Acabei arrendando as fazendas. Por conta desse golpe, acabei tendo que devolver os contratos de arrendamento", disse Cleidson.

A reportagem tentou novo contato com o empresário para tentar entender como um esquema descoberto em 2016 impactou em dívidas contraídas a partir de 2018, mas não obteve sucesso.

 

R$ 3 MILHÕES

O golpe envolvendo o Soy Group também foi citado por Cleidson para justificar à ESPN sobre um dos processos que responde na Justiça, junto com a Taunsa. Ele e a empresa são cobrados pelo empresário José Papile, de Pirajuí, no interior de São Paulo, em uma dívida que hoje, em valores corrigidos, supera R$ 3 milhões.

Cleidson explicou o processo da seguinte forma: "José Papile entrou comigo na época desse golpe que levei no Mato Grosso. Estávamos juntos para levantar esse dinheiro junto com estelionatários. Só que quem apresentou o grupo para ele, fui eu. Ele se sentiu no direito de achar que eu teria que devolver o dinheiro que ele perdeu. Entrou com essa ação, que questionamos por ele estar cobrando um juro como se eu fosse agiota. Isso era do financiamento dos estelionatários."

O contrato assinado por Cleidson, a Taunsa e Papile também é posterior à "Operação Castelo de Areia", de setembro de 2017. Nele, Papile realizou um investimento de R$ 1,3 milhão com a promessa de que seriam levantados em seu favor US$ 50 milhões. O valor foi dividido para cinco pessoas, uma delas Carolina Moreira Lima Cruz, mãe de Cleidson e sua sócia na "Taunsa Agropecuária".

Acontece que Papile nunca teve o retorno prometido, e o acordo entre as partes foi rescindido em 2018, com Cleidson e a Taunsa concordando em devolver R$ 2,05 milhões ao investidor até abril de 2019. O empresário procurou a Justiça em 2020 e conseguiu determinação favorável para receber a dívida. Acontece que, desde então, Cleidson nunca foi encontrado para ser citado e intimado. A última atualização do processo é de março de 2022.

Fundada há 15 anos, a Taunsa diz em seu site que começou suas atividades na agricultura a partir da aquisição de terras no estado de Mato Grosso e “com isso, foi possível adquirir expertise no plantio, armazenamento e negociação de soja e milho no país e em países da África Ocidental”. Em um vídeo disponível no Linkedin para o mercado internacional, a empresa diz que “está sempre ao lado dos produtores brasileiros semeando o futuro, vivenciando e compartilhando suas batalhas, com experiência de quem exporta anualmente mais de 300 mil toneladas de soja, 150 mil toneladas de farelo de soja, 90 mil toneladas de arroz, 60 mil toneladas de óleo de soja e também milho, frutas, frango e carne”.

O vídeo ainda diz que a Taunsa "está com os produtores porque tem 300 mil hectares de produção própria e financia diretamente outros produtores que representam 216 mil hectares adicionais de produção."

 

OUTRO LADO

Apesar de o vídeo institucional da Taunsa falar em produção própria e um dos slogans da empresa ser "do campo à mesa", o CEO negou que o grupo hoje tenha plantações de soja. "Como funciona o agronegócio? Você tem duas opções: se você abre uma empresa e planta, é um tipo de encargo; se uma pessoa física planta, é outro tipo de encargo. A Taunsa Agropecuária, ela não planta. A Taunsa origina sua soja junto com parceiros produtores, e essa soja, através de parceiros, é que a Taunsa recebe para cumprir seus contratos de exportação. A Taunsa é uma exportadora; ela exporta, não planta”, disse Cleidson, citando Omã e China como seus principais compradores.

Ao ser questionado onde estão as fazendas da Taunsa, o empresário disse que "o maior volume de origem hoje de soja da Taunsa é Mato Grosso", citando também Bahia, Piauí, Maranhão e Tocantins. “E não é só soja. É farelo de soja, óleo de soja degomado... Que são os principais produtos que exportamos. Posso te dar uma lista de fazendas, sem problema”, completou.

Cleidson concedeu entrevista à ESPN no último dia 7 de abril. A reportagem tentou novo contato na última terça-feira, dia 12, para mais esclarecimentos, quando o empresário disse que não se manifestaria antes da publicação desta reportagem. Até este momento, o pagamento para os comerciantes de Paranatinga não foi feito. Assim como o valor ainda devido da parceira com o Corinthians.

A reportagem também ainda não recebeu a lista de fazendas que hoje são parceiras da Taunsa para a produção de soja.










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