Com a seca recorde no país e a chegada dos meses mais quentes, o governo cogitou nos últimos dias a volta do horário de verão, que não vigora desde 2019. O g1 ouviu especialistas sobre a eficácia da ideia e os impactos na rotina da população.
A maior parte da energia elétrica do Brasil vem das usinas hidrelétricas (cerca de 50%). Com as poucas chuvas, os reservatórios perdem volume, o que gera alerta com relação às usinas. Além disso, no período do calor mais intenso, que começa nos próximos meses no país, a população tende a usar mais aparelhos eletrodomésticos, como ar-condicionado e ventiladores.
A ideia por trás do horário de verão é aproveitar que, nos meses dessa estação, a luz do sol dura mais tempo ao longo do dia. Combinado a isso o adiantamento dos relógios em uma hora (como prevê a regra do horário de verão), a população passaria a precisar de iluminação artificial mais tarde do que o normal, evitando acender as luzes nos horários de pico — quando as pessoas chegam em casa do trabalho e acionam os chuveiros, por exemplo.
"É aquele horário que o cidadão vai para casa, liga o ar-condicionado, liga o ventilador. Ele vai tomar banho, vai tomar todo mundo quase que junto, abre a televisão para assistir um jornal, para poder assistir um filme, e naquele horário nós temos um grande pico, e é exatamente no momento onde nós estamos perdendo as energias intermitentes", explicou o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.
Energia intermitente é aquela produzida por fontes como a eólica e solar, que caem à noite, por causa da diminuição dos ventos nesse horário e da interrupção da luz do sol.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) vão apresentar na segunda-feira (16) ou na terça estudos sobre o horário de verão para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele é quem tomará a decisão sobre adotar a medida ou não.
Veja abaixo a eventual eficácia e possíveis efeitos da medida, segundo especialistas:
Mudanças de hábitos e pouca economia de energia
O professor Luciano Duque, mestre em Energia Elétrica, aponta que os hábitos de uso de energia da população mudaram ao longo dos anos. Agora, mesmo nos horários em que há luz solar, é usada muita energia elétrica em aparelhos como ar-condicionado e ventiladores.
Assim, o efeito de postergar a hora de acender as luzes de casa e da rua é menor do que foi no passado.
"Nós estamos num período de calor intenso, onde as cargas mais utilizadas são ar-condicionado, condicionadores de ar, ventiladores. Essas cargas consomem bastante energia durante o período de verão, muito mais que a iluminação, até mesmo mais que o chuveiro", explicou o especialista.
Por isso, a economia de energia não será significativa com o horário de verão.
"O perfil de consumo de energia elétrica modificou as maiores cargas nesse período de calor intenso. Não é chuveiro e tampouco iluminação. Não faz a diferença, ou seja, a gente não tem economia de energia significativa com a implementação do horário de verão", completou.
Pequena ajuda no início da noite
O engenheiro Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil — um observatório do setor elétrico no país — informou que, pelos motivos apresentados acima, a economia com o horário de verão chega no máximo a 0,5% do consumo de energia, de acordo com estudos do ONS.
Mas, de acordo com o especialista, o horário de verão poderia dar uma pequena ajuda no início da noite, quando energia solar e eólica decaem. Nessa hora, as pessoas estão chegando em casa do trabalho e ligam vários aparelhos. Se o horário de acionar a iluminação das casas e das ruas for um postergado em uma hora, pode haver um pequeno benefício para o sistema.
"Antigamente, o pico máximo de consumo ocorria no final do dia. Hoje, ocorre no meio do dia, e o horário de verão não interfere nisso. Mas no fim do dia, ainda há uma pequena influência. No momento em que a geração solar, que é cada vez mais relevante, começa a cair, entram em ação fontes de energia flexíveis, como hidrelétricas e termelétricas, para atender à demanda", explicou.
"Esse acionamento de usinas ocorre em uma 'rampa' para suprir o pico de consumo no final do dia. Mesmo que a influência do horário de verão seja pequena, ela ajuda a atenuar essa rampa, reduzindo um pouco a necessidade de esforço das usinas", completou. Sales lembrou que, nessas horas, a alternativa é ligar as termelétricas, mais caras e mais poluentes. Portanto, quanto menos termelétricas forem ligadas, melhor.
Alternativas
Os dois especialistas ressaltaram que, independentemente do horário de verão, é importante o governo tomar atitudes para preservar a capacidade de produção de energia do país.
O professor Duque também lembrou que o horário de verão traz alguns inconvenientes para pessoas que demorar a se adaptar ao relógio adiantado e também àqueles que acordam cedo e se veem obrigados a sair de casa no escuro.
"Medidas mais educativas, no sentido da população economizar energia, seriam medidas mais eficientes do que a implementação de um horário de verão, que não vai conseguir economizar energia o suficiente para o transtorno que ele traz para a população", argumentou.
Ele citou ações que o governo, por recomendação do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), já está tomando para preservar as hidrelétricas, como aumentar a conta de luz e autorização para usinas operarem com vazão menor, resguardando o lago.
"Essas medidas, junto com o planejamento que o Operador Nacional de Sistema Elétrico vai fazer, no sentido de quê? De economizar um pouco de água dos reservatórios. Vai utilizando as energias solar e eólica naquele período, faz uma utilização máxima delas e reduz um pouco a utilização das hidrelétricas", concluiu.
Sales, do Acende Brasil, observou que os reservatórios do país não estão tão baixos para um período de seca e que, se as chuvas vierem a partir dos próximos meses, quando começa a estação das cheias, o país não deve ter problemas no fornecimento de energia.
"Temos, sim, o nível dos reservatórios em uma situação que nos permite passar com tranquilidade por esse período. Dito isso, houve uma reunião do CMSE que, do meu ponto de vista, acertadamente determinou algumas medidas para preservar essa água. Só vamos ter certeza do que esperar quando se trata de questões meteorológicas, e teremos uma convicção mais sólida quando chegar novembro, com o início da estação das chuvas", afirmou