Sob suspeita de corrupção, o governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) está sendo pressionado a dar uma resposta rápida ao escândalo do
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Seu desafio é arrumar meios para o
ressarcimento do total de recursos desviados dos aposentados e pensionistas por
meio de descontos não autorizados a associações e sindicatos.
O esquema de desvio, revelado pela Operação Sem Desconto,
deflagrada pela Polícia Federal (PF) e Controladoria-Geral da União (CGU) na
semana passada, tem provocado reações no Congresso e na opinião pública.
O montante estimado - de no mínimo R$ 6,3 bilhões - está nas
mãos de entidades que firmaram convênios com o INSS para prestar serviços aos
beneficiários. A maioria deles, no entanto, não havia autorizado o desconto e
sequer era filiada às entidades.
Embora, em tese, caiba às entidades o ressarcimento dos
recursos, especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo afirmam que o governo tem
responsabilidade direta no caso.
Os convênios foram firmados com o INSS sem a verificação da
capacidade técnica para prestar os serviços ou qualquer fiscalização posterior.
Também não houve checagem da autenticidade das filiações dos beneficiários para
a realização dos descontos.
O relatório da CGU deixa claro a negligência do órgão e
apura a conivência e cumplicidade dos servidores. O caso já provocou a demissão
do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e ameaça também o ministro da
Previdência Social, Carlos Lupi, responsável por sua indicação.
Washington Barbosa, especialista em Direito Previdenciário e
CEO da WB Cursos, destaca que a relação do aposentado é com o INSS e não com a
associação credenciada. “Quem é que tem que resolver o meu problema? Quem é que
tem que pagar? O INSS”, afirma. "Cabe ao INSS pagar este valor e entrar
com ação regressiva contra o sindicato. É assim que deve ocorrer do ponto de
vista jurídico.”
Para ele, a situação se assemelha às compras indevidas ou
fraudes com cartão de crédito. “Se aparece uma compra errada fatura de seu
cartão, você não vai atrás do estabelecimento, mas liga para a administradora,
pois é com ela que você tem relação. “O mesmo se dá entre o pensionista e o
INSS", afirma.
Devolução integral a aposentados não tem previsão
A CGU determinou a suspensão de todos os descontos mensais
automáticos feitos por entidades logo após a operação. O Ministério da
Previdência também se apressou em informar que vai devolver em maio o dinheiro
descontado sem autorização dos contracheques de abril.
Mas a devolução dos descontos irregulares realizados pelas
associações e sindicatos anteriores a abril ainda não tem previsão. A
expectativa é que uma força-tarefa criada pela Advocacia Geral da União (AGU)
faça um mapeamento caso a caso para verificar se o desconto realmente foi
autorizado.
Segundo Barbosa, que fez um levantamento utilizando o
relatório da CGU, considerando a média de descontos e o volume estimado em
desvios, o valor médio de devolução está em torno de R$ 6.400.“O ticket médio
do desconto é de R$ 150 por aposentado”, diz. “Alguns vão ganhar R$ 3 mil,
outros R$ 12 mil.”
O cálculo considera o “pior dos mundos”, ou seja, que todo o
dinheiro desviado não tenha sido autorizado. Mas a força-tarefa da CGU, segundo
ele, pode chegar a um valor menor. Em uma amostra 1,3 mil pessoas entrevistadas
pela CGU, a grande maioria não era de fato filiada a essas associações nem
tampouco autorizou os débitos. Apenas 4% confirmaram filiação e 2% disseram ter
permitido o repasse do dinheiro.
PSOL propõe crédito extraordinário; oposição reage
Ao lado do desafio de dimensionar os desvios, o governo
enfrenta a necessidade de indicar a fonte de recursos para o ressarcimento.
Alternativas para uma solução do impasse vêm sendo levantadas. O PSOL já
apresentou um requerimento à Mesa Diretora da Câmara, sugerindo a abertura de
um crédito extraordinário para o governo ressarcir os aposentados sem impacto
fiscal.
O recurso, que precisa ser autorizado por medida provisória,
geralmente, é utilizado em situações específicas - como calamidades públicas,
guerras ou casos de comoção interna. O dinheiro pode vir do excesso de
arrecadação de impostos, do superávit financeiro (saldo de anos anteriores não
utilizado), da anulação parcial de despesas ou de operações de crédito e outros
recursos que possam ser mobilizados para a situação emergencial.
Geralmente, são bancados por emissão de dívida pública, o
que acaba penalizando o pagador de impostos. Apesar de não pagar a dívida
pública com recursos da arrecadação, o governo acaba precisando contrair novas
dívidas para pagar os juros, o que, no fim do dia, impacta o bolso da
população.
A medida vem enfrentando resistência no Congresso e a
oposição já avisou que pretende barrar a iniciativa psolista. "O
ressarcimento aos aposentados é necessário, mas a proposta do PSOL é absurda”,
afirmou o deputado Luiz Phillippe de Orleans e Bragança (PL-SP), da Frente
Parlamentar para o Livre Mercado. “Jogar a conta no colo do cidadão é varrer a
sujeira para debaixo do tapete. É preciso bloquear os bens e punir quem fraudou
o sistema, não perpetuar a impunidade às custas do povo."
Recursos podem ser tirados do Orçamento
O especialista em contas públicas Murilo Viana destaca a
impropriedade da medida, além do risco à imagem do governo. “Além do crédito
extraordinário exigir imprevisibilidade e tudo mais, a medida seria muito mal
vista”, diz. “Misturaria a dificuldade fiscal, que já é uma agenda negativa,
com uma discussão sobre a má administração relacionada ao INSS, levando a um
desgaste mais duradouro para o governo.”
Sem o crédito extraordinário, a saída do governo seria tirar
recursos do Tesouro. “É uma despesa que não está prevista no Orçamento,
portanto, se o governo optar devolver tudo de uma vez, algum impacto fiscal
haverá”, avalia Viana.
Ele acredita que, diante da pressão popular, há grandes
chances de isso acontecer. “Mas não me surpreenderia se o governo tentasse
solucionar o problema da forma mais célere possível, mesmo sem investigar a
fundo quem tem direito de fato ou não ao ressarcimento.”
Para o especialista, a alternativa provável é que o governo
se utilize dos recursos destinados a despesas discricionárias dentro do
Orçamento. Ele lembra que se trata de uma parte pequena, já que mais de 90% das
receitas da União são consumidas por despesas obrigatórias.
Além disso, a arrecadação federal, prevista na Lei de
Diretrizes Orçamentárias, aprovada em março pelo Congresso, pode ser impactada
pela redução de crescimento da economia ao longo do ano e comprometer o
cumprimento da meta do arcabouço fiscal, de zerar o déficit das contas públicas
este ano. “Seria uma pressão a mais sobre o orçamento”, diz. “Mas não um valor
que inviabilizaria por si só o cumprimento da meta fiscal. Ele tem que ser
olhado dentro do conjunto da obra. O risco reputacional do governo com o não
pagamento seria muito maior”, afirma Viana.
Barbosa tem outra visão. Para ele, o governo deve postergar
o pagamento, levando em conta a situação fiscal, a investigação caso a caso e a
demora do processo. “Administrativamente, não acredito que o governo desembolse
essa quantia”, diz. “Ele vai devolver os valores descontados na folha de abril
e o resto o aposentado deverá pleitear via judicial. Provavelmente, o
Judiciário, ciente do escândalo do caso, vai julgar rápido. É a melhor alternativa
para o beneficiário.”