Fraude do INSS: governo não sabe de onde tirar recursos para ressarcir aposentados

 



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Fraude do INSS: governo não sabe de onde tirar recursos para ressarcir aposentados

Gazeta do Povo

29 de Abril de 2025 as 22:57

  O relatório da CGU deixa claro a negligência do órgão e apura a conivência e cumplicidade dos servidores (Foto: Bruno Peres/Agência Brasil)

Sob suspeita de corrupção, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está sendo pressionado a dar uma resposta rápida ao escândalo do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Seu desafio é arrumar meios para o ressarcimento do total de recursos desviados dos aposentados e pensionistas por meio de descontos não autorizados a associações e sindicatos.

O esquema de desvio, revelado pela Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal (PF) e Controladoria-Geral da União (CGU) na semana passada, tem provocado reações no Congresso e na opinião pública.

O montante estimado - de no mínimo R$ 6,3 bilhões - está nas mãos de entidades que firmaram convênios com o INSS para prestar serviços aos beneficiários. A maioria deles, no entanto, não havia autorizado o desconto e sequer era filiada às entidades.

Embora, em tese, caiba às entidades o ressarcimento dos recursos, especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo afirmam que o governo tem responsabilidade direta no caso.

Os convênios foram firmados com o INSS sem a verificação da capacidade técnica para prestar os serviços ou qualquer fiscalização posterior. Também não houve checagem da autenticidade das filiações dos beneficiários para a realização dos descontos.

O relatório da CGU deixa claro a negligência do órgão e apura a conivência e cumplicidade dos servidores. O caso já provocou a demissão do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e ameaça também o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, responsável por sua indicação.

Washington Barbosa, especialista em Direito Previdenciário e CEO da WB Cursos, destaca que a relação do aposentado é com o INSS e não com a associação credenciada. “Quem é que tem que resolver o meu problema? Quem é que tem que pagar? O INSS”, afirma. "Cabe ao INSS pagar este valor e entrar com ação regressiva contra o sindicato. É assim que deve ocorrer do ponto de vista jurídico.”

Para ele, a situação se assemelha às compras indevidas ou fraudes com cartão de crédito. “Se aparece uma compra errada fatura de seu cartão, você não vai atrás do estabelecimento, mas liga para a administradora, pois é com ela que você tem relação. “O mesmo se dá entre o pensionista e o INSS", afirma.

 

Devolução integral a aposentados não tem previsão

A CGU determinou a suspensão de todos os descontos mensais automáticos feitos por entidades logo após a operação. O Ministério da Previdência também se apressou em informar que vai devolver em maio o dinheiro descontado sem autorização dos contracheques de abril.

Mas a devolução dos descontos irregulares realizados pelas associações e sindicatos anteriores a abril ainda não tem previsão. A expectativa é que uma força-tarefa criada pela Advocacia Geral da União (AGU) faça um mapeamento caso a caso para verificar se o desconto realmente foi autorizado.

 O relatório da CGU, que abrange o período de 2016 a setembro de 2024, revela que cerca de 7,7 milhões de pessoas sofreram descontos em seus benefícios – o que corresponde a 22% do número atual de aposentadorias e pensões pagas pela Previdência Social.

Segundo Barbosa, que fez um levantamento utilizando o relatório da CGU, considerando a média de descontos e o volume estimado em desvios, o valor médio de devolução está em torno de R$ 6.400.“O ticket médio do desconto é de R$ 150 por aposentado”, diz. “Alguns vão ganhar R$ 3 mil, outros R$ 12 mil.”

O cálculo considera o “pior dos mundos”, ou seja, que todo o dinheiro desviado não tenha sido autorizado. Mas a força-tarefa da CGU, segundo ele, pode chegar a um valor menor. Em uma amostra 1,3 mil pessoas entrevistadas pela CGU, a grande maioria não era de fato filiada a essas associações nem tampouco autorizou os débitos. Apenas 4% confirmaram filiação e 2% disseram ter permitido o repasse do dinheiro.

 

PSOL propõe crédito extraordinário; oposição reage

Ao lado do desafio de dimensionar os desvios, o governo enfrenta a necessidade de indicar a fonte de recursos para o ressarcimento. Alternativas para uma solução do impasse vêm sendo levantadas. O PSOL já apresentou um requerimento à Mesa Diretora da Câmara, sugerindo a abertura de um crédito extraordinário para o governo ressarcir os aposentados sem impacto fiscal.

O recurso, que precisa ser autorizado por medida provisória, geralmente, é utilizado em situações específicas - como calamidades públicas, guerras ou casos de comoção interna. O dinheiro pode vir do excesso de arrecadação de impostos, do superávit financeiro (saldo de anos anteriores não utilizado), da anulação parcial de despesas ou de operações de crédito e outros recursos que possam ser mobilizados para a situação emergencial.

Geralmente, são bancados por emissão de dívida pública, o que acaba penalizando o pagador de impostos. Apesar de não pagar a dívida pública com recursos da arrecadação, o governo acaba precisando contrair novas dívidas para pagar os juros, o que, no fim do dia, impacta o bolso da população.

A medida vem enfrentando resistência no Congresso e a oposição já avisou que pretende barrar a iniciativa psolista. "O ressarcimento aos aposentados é necessário, mas a proposta do PSOL é absurda”, afirmou o deputado Luiz Phillippe de Orleans e Bragança (PL-SP), da Frente Parlamentar para o Livre Mercado. “Jogar a conta no colo do cidadão é varrer a sujeira para debaixo do tapete. É preciso bloquear os bens e punir quem fraudou o sistema, não perpetuar a impunidade às custas do povo."

 

Recursos podem ser tirados do Orçamento

O especialista em contas públicas Murilo Viana destaca a impropriedade da medida, além do risco à imagem do governo. “Além do crédito extraordinário exigir imprevisibilidade e tudo mais, a medida seria muito mal vista”, diz. “Misturaria a dificuldade fiscal, que já é uma agenda negativa, com uma discussão sobre a má administração relacionada ao INSS, levando a um desgaste mais duradouro para o governo.”

Sem o crédito extraordinário, a saída do governo seria tirar recursos do Tesouro. “É uma despesa que não está prevista no Orçamento, portanto, se o governo optar devolver tudo de uma vez, algum impacto fiscal haverá”, avalia Viana.

Ele acredita que, diante da pressão popular, há grandes chances de isso acontecer. “Mas não me surpreenderia se o governo tentasse solucionar o problema da forma mais célere possível, mesmo sem investigar a fundo quem tem direito de fato ou não ao ressarcimento.”

Para o especialista, a alternativa provável é que o governo se utilize dos recursos destinados a despesas discricionárias dentro do Orçamento. Ele lembra que se trata de uma parte pequena, já que mais de 90% das receitas da União são consumidas por despesas obrigatórias.

Além disso, a arrecadação federal, prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias, aprovada em março pelo Congresso, pode ser impactada pela redução de crescimento da economia ao longo do ano e comprometer o cumprimento da meta do arcabouço fiscal, de zerar o déficit das contas públicas este ano. “Seria uma pressão a mais sobre o orçamento”, diz. “Mas não um valor que inviabilizaria por si só o cumprimento da meta fiscal. Ele tem que ser olhado dentro do conjunto da obra. O risco reputacional do governo com o não pagamento seria muito maior”, afirma Viana.

Barbosa tem outra visão. Para ele, o governo deve postergar o pagamento, levando em conta a situação fiscal, a investigação caso a caso e a demora do processo. “Administrativamente, não acredito que o governo desembolse essa quantia”, diz. “Ele vai devolver os valores descontados na folha de abril e o resto o aposentado deverá pleitear via judicial. Provavelmente, o Judiciário, ciente do escândalo do caso, vai julgar rápido. É a melhor alternativa para o beneficiário.”










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