A Controladoria-Geral da União (CGU) retirou o sigilo de um
relatório sobre descontos não autorizados de benefícios de aposentados e
pensionistas. O documento descreve os principais achados de uma auditoria sobre
o INSS e foi concluído em setembro do ano passado, mas só foi publicado após a
deflagração da Operação Sem Desconto, da Polícia Federal.
O relatório escancara fragilidades dos controles internos do
INSS que podem ter facilitado a ocorrência de fraudes. Conforme a CGU, quase R$
8 bilhões, retirados dos pagamentos do INSS a seus beneficiários, foram
repassados a entidades privadas entre 2016 e 2024 – e grande parte do repasse
provavelmente ocorreu sem autorização. O escândalo levou à demissão do
presidente do INSS, Alessandro Stefanutto.
Os valores descontados de aposentados e pensionistas eram
repassados a associações que supostamente prestavam serviços aos beneficiários
– como assistência jurídica, descontos em redes de farmácias, cobertura para
exames médicos, serviços residenciais e auxílio-funeral.
Porém, após quase 1,3 mil entrevistas com aposentados e
pensionistas de todo o país, a CGU constatou que a grande maioria deles não era
realmente filiada a tais entidades (caso de 95,9% dos entrevistados) e não
tinha autorizado qualquer débito (97,6%).
"Dos 1.273 entrevistados, apenas 52 informaram estar
filiados a uma entidade, e 31 que autorizaram o desconto", aponta o texto.
Com dificuldade para conferir os extratos de pagamento,
72,4% dos beneficiários nem mesmo sabiam que estavam sofrendo descontos em sua
aposentadoria ou pensão. E os que tinham conhecimento relataram dificuldade
para cancelar os débitos indevidos.
Mesmo na análise de um subgrupo de 90 aposentados e
pensionistas para os quais as entidades apresentaram documentação ao INSS,
81,1% negaram ter autorizado o desconto e 80% negaram filiação. Para a CGU,
isso releva que as assinaturas podem ter sido recolhidas sem que o beneficiário
conhecesse sua finalidade, ou mesmo que as documentações tenham sido fraudadas.
Relatos de entrevistados indicaram que muitos não teriam
como ter assinado documentos devido a deficiência, doença grave ou mesmo
residência no exterior. Também há casos onde as assinaturas não foram
reconhecidas.
Outro problema: entidades que firmaram convênio com o INSS
têm muitos associados em estados diferentes de suas sedes, o que provavelmente
dificultava o acesso aos serviços oferecidos por elas – mesmo que eles fossem
de fato prestados.
Em 2023, uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU)
há havia indicado a possibilidade de irregularidades. O relatório do ministro
Aroldo Cedraz enviado ao INSS na época, ao qual a Gazeta do Povo teve acesso,
apontou "preocupante descontrole nesses processos".
Segundo o documento, o departamento do INSS responsável por
fazer a fiscalização das entidades e dos descontos era formado por apenas “um
chefe de divisão e dois servidores”.
Total descontado de
aposentados quintuplicou em três anos
A auditoria da CGU foi motivada por um crescimento súbito e
atípico no montante dos descontos de mensalidades associativas, que quase
triplicaram em dois anos, passando de R$ 536,3 milhões em 2021 para R$ 1,3
bilhão em 2023.
Segundo projeção do relatório, o total descontado em 2024
poderia chegar a R$ 2,6 bilhões – mas provavelmente passou disso, pois em
entrevista coletiva após a Operação Sem Desconto foi citado um valor de R$ 2,8
bilhões no ano passado.
Ou seja, num intervalo de três anos (2021 a 2024), o total
descontado dos beneficiários do INSS foi multiplicado por cinco. Os dados
informados pela CGU revelam que, antes disso, os débitos tinham fluxo bem mais
estável: entre 2016 e 2021, o montante registrado a cada ano oscilou entre R$
400 milhões e R$ 600 milhões, aproximadamente.
Outro número que disparou recentemente foi o de pedidos de
cancelamento de débitos: eles saltaram de 22 mil em julho de 2023 para 192 mil
em abril de 2024.
Segundo a CGU, o número de entidades conveniadas ao INSS e o
total descontado de aposentados e pensionistas desde 2016 foram os seguintes:
2016: 15
entidades conveniadas, R$ 413,2 milhões descontados
2017: 22
entidades, R$ 460 milhões
2018: 20
entidades, R$ 617 milhões
2019: 21
entidades, R$ 605 milhões
2020: 19
entidades, R$ 511 milhões
2021: 15 entidades,
R$ 536 milhões
2022: 22
entidades, R$ 706 milhões
2023: 27
entidades, R$ 1,3 bilhão
2024: 33
entidades, R$ 2,8 bilhões